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domingo, 4 de dezembro de 2011

Simples Assim!






E no começo a vida era imensamente fácil, até dava vontade de dizer que Deus estava de férias e tinha se esquecido do mundo como sala de aula dos alunos rebeldes que insistem em não passar de ano. Por fim, parecia leve demais, bom demais, infante demais. E quem disse que a gnte não cresce mesmo às duras penas?Antigamente a vida era outra coisa; agora tudo ficou sério e passa mais rápido do que eu gostaria. Sabe que às  vezes até demora demais?!Longos anos, longas tarefas... Curto tempo e mínimas expectativas. Antigamente eu queria viver por 100 anos, e agora a sombra de mais 30 (com boa vontade e na esperança de nem ser tão horrível o final da velhice que rima com hospital e sandice) já me cansa só em pensar. Dá desânimo olhar pra frente. É impensável e seria imprudente resolver olhar para trás com arrependimento, porque me arrependeria de tantas atitudes, de tanto silêncio mal resolvido... A sabedoria do tempo é um imperativo, é o que nos resta como fonte última das vaidades, do reconhecimento. Onde estive nos últimos decênios? Para onde irá o pensamento nos próximos? Perderei meus dentes? Melhor assim! O final é onipotente! Quem te priva de comer, beber, falar mal, dizer tudo o que pensa, incluindo os piores palavrões (li que atraem vibrações negativas, como li, também, que catarse explosiva inibe somatização de carcinomas) e ainda olhar com gosto para as coisas lindas que vão sendo criadas ao passar das eras? Ninguém! Assim era no começo, quando era criança e o shampoo ardia meus olhos; depois, o jeito simples de chamar por meus pais, e agora, com tantos ensinamentos e tão pouco tempo para aprender... É chegado o momento. Saudades existem para quem deixa mais no mundo do que leva em si mesmo, não é? Ninguém te disse que ao morrermos conquistamos o tão falado amor próprio? Ora! Qual seria a outra razão sensata e justa para que ninguém voltasse só pra dar um oi àqueles que tanto choraram, como as tormentosas chuvas de verão e...Tempos depois passaram a viver suas próprias vidas? Não há nada de errado nisso, como não há erro em deixar de lado tanto sentido. Gente velha precisa de sentido, gente mais velha ainda só precisa ser sentida e a gentinha que começa a engatinhar, do que precisa? Sorvete, tardes sem fim, primaveras e muitas, muitas férias além dos recreios, das festas e surpresas noturnas de pais culpados que insistem em mimar seus filhos frágeis para protegê-los do mundo severo.
Sim! Antigamente a vida era simples pra todo mundo, só era pior para quem já começou pelo fim! Nunca conheceu pessoas que já nasceram sofrendo, sem Danoninho, geleia de mocotó, carrinho elétrico e roupas de todas as cores? Minha massinha era perfumada, eu gostava de comer borracha, a chuva era sempre uma tormenta (não tanto pra mim quanto para os vizinhos de bairro, que tinham lixeiras-monstro derrubadas e poças de lama-cenários de guerra explodindo diante de seus portões); eu gostava do meu sapatinho preto com uniforme de militar mauricinho de gola! Sabe o que mais? Sinto saudades dos meus dois grandes amigos, meus dois grandes Gugu e Barney; sinto também que o tempo passou e nada foi bem como eu pensava, mas quem disse que eu tinha um barco conduzido por mim mesmo, traçando pequenas brumas e seguindo um norte inquestionavelmente definido? Ora! Sabe do que me lembro? Meu quarto era uma graça, todo acarpetado, com livros coloridos, capas em relevo, bichinhos, cama de madeira leve, travesseiro pra afundar a cara e me esconder do tal monstro que apareceria, se eu apagasse a luz, é certo! Estranho hoje eu pensar na ideia de dormir com a luz acesa. Lembrei até de um ursinho todo rasgado. Seria ele meu “Rosebud”? Jovem que lia Humberto de Campos aos 15; ouvia Nelson Gonçalves aos 16 e compreendia melhor Chopin ao escrever sonetos e choramingar no poente dominical por temer o lago que arde como fogo e enxofre e é a segunda morte. Meus grandes traumas não vieram de fora, meus grandes anseios eram a Academia Brasileira de Letras, ter uma namorada só minha pra fazer tudo o que via nas madrugadas do cine privé e, acreditem: ser um diplomata-poeta, como o fora o inigualável Poetinha!
Bons tempos de olhar nossos pais como eternos, sabedores de tudo, oráculos seculares; nossos avós como já tendo nascido daquele jeito, com rugas, modos lentos e setenta anos cada. A fragilidade é quase um castigo para quem se depara com o verbo crescer. Conjugue-o ou ele te devora!

É tudo o que tenho por hoje, o que me basta por cada dia!


Raoni C.Costa

Entrevista com o Poeta.


Obra: O Poeta Pobre (Carl Spitzweg)


Poeta, onde tu vives? Vivo na transição de um sistema confuso, entre a terceira nebulosa e o quadrante superior do espelho metafísico da região silenciosa. Habita em mim um caos e reluz a calmaria, pois nascido em berço esplêndido, sofrendo agruras, crescendo, na dor do parto do amadurecer, antes fora Maria, depois Ana, depois... Ora! Tanta nostalgia!
Estou cansado, cansado do mundo e de mim mesmo. Olhar no espelho é perceber o estranho que sempre me serviu de abrigo; medos? Tenho-os todos, mas a coragem é espasmódica, vindo em surtos, como vêm os amores brutos. Quem sou eu, poeta, pergunto a mim; quem és tu, profeta, que te calas ao nascer da consciência e nos julga ao prenunciar do fim? Sejamos fé, tão pouco a ira nos seja tão persistente. Antigamente eu era qualquer um, algum José; hoje nenhum florim, xelim, ou mesmo valor qualquer! Sou o poeta das duas faces, das mil facetas, dos tamborins (ou tamboretes?) ao pé do sofá, como criança a comer jujuba antes mesmo de almoçar. Esse sou eu, em nada sendo. E você, quem é? Um nome, um encargo, ou vosso título, ou até mesmo o tal gordo, o magro, o irritadinho... Até o gago!?Quem somos, se nada podemos mudar e ainda sequer descobrimos quem havemos de ser? Prefiro a poesia da transição, do equilíbrio das profusões. Pretendo expor Dali a Parnaso sem qualquer dissensão.
Meu mundo nunca se traduziu em resposta, entretanto nunca busquei formular as perguntas certas. Meu papel é deixar as cores misturadas, formando desenhos em aquarelas alheias; sou mesquinho, pequeno e ranzinza, mas não me esqueço de dar ao imenso verso o meu pequeno mundo, e nesse mundo o ‘eu’ disperso de cada um que lê, certamente, em meio ao indignar da crítica, reconhece um pouco do melhor de si em meu imenso mar de sentidos, de céu, de inferno, de ar e areia. Desse modo podem até me esquecer, mas lembrando de si mesmos e mesmo me odiando, por verem em mim o reflexo de vosso ser, certamente dói mais em nós o crescer do que em mim, pessoalmente, a tristeza de ver em minha poesia as verdades escondidas do seu desprazer. Entretanto é como sempre tem sido: em cada pouco um pouco mais belo, em cada elo um desatar de lágrimas e medos sem fim. O sentido poético é antítese, é provar o patético sobre forma adornada, dizendo do fim por inigualável parábola; mostrando a beleza da alma na forma e a escuridão essencial que habita o conteúdo; é, por vezes, fazer-se tolo, é, em outras conclamar a todos sua presença em festa e, num instante mudo, cadenciar sutilmente a inexistência do bolo. Eis o que há de melhor e pior em nós! Eis o que há para dizer ao fim do rodapé, sendo o pouco que temos, só para começar.
Hoje minha pretensão é só não ter pretensão. Hoje só quero viver tudo o que gostaria de ter vivido ao olhar para trás, quando sutilmente chegar o amanhã!
Plenitude, silêncio e completude!        


Raoni C.Costa                                                                                                  N.I. 4/12/11