E no começo a vida era imensamente
fácil, até dava vontade de dizer que Deus estava de férias e tinha se esquecido
do mundo como sala de aula dos alunos rebeldes que insistem em não passar de
ano. Por fim, parecia leve demais, bom demais, infante demais. E quem disse que
a gnte não cresce mesmo às duras penas?Antigamente a vida era outra coisa;
agora tudo ficou sério e passa mais rápido do que eu gostaria. Sabe que às vezes até demora demais?!Longos anos, longas tarefas...
Curto tempo e mínimas expectativas. Antigamente eu queria viver por 100 anos, e
agora a sombra de mais 30 (com boa vontade e na esperança de nem ser tão
horrível o final da velhice que rima com hospital e sandice) já me cansa só em
pensar. Dá desânimo olhar pra frente. É impensável e seria imprudente resolver
olhar para trás com arrependimento, porque me arrependeria de tantas atitudes,
de tanto silêncio mal resolvido... A sabedoria do tempo é um imperativo, é o
que nos resta como fonte última das vaidades, do reconhecimento. Onde estive
nos últimos decênios? Para onde irá o pensamento nos próximos? Perderei meus
dentes? Melhor assim! O final é onipotente! Quem te priva de comer, beber, falar
mal, dizer tudo o que pensa, incluindo os piores palavrões (li que atraem vibrações
negativas, como li, também, que catarse explosiva inibe somatização de
carcinomas) e ainda olhar com gosto para as coisas lindas que vão sendo criadas
ao passar das eras? Ninguém! Assim era no começo, quando era criança e o
shampoo ardia meus olhos; depois, o jeito simples de chamar por meus pais, e
agora, com tantos ensinamentos e tão pouco tempo para aprender... É chegado o
momento. Saudades existem para quem deixa mais no mundo do que leva em si mesmo,
não é? Ninguém te disse que ao morrermos conquistamos o tão falado amor
próprio? Ora! Qual seria a outra razão sensata e justa para que ninguém
voltasse só pra dar um oi àqueles que tanto choraram, como as tormentosas
chuvas de verão e...Tempos depois passaram a viver suas próprias vidas? Não há
nada de errado nisso, como não há erro em deixar de lado tanto sentido. Gente
velha precisa de sentido, gente mais velha ainda só precisa ser sentida e a
gentinha que começa a engatinhar, do que precisa? Sorvete, tardes sem fim, primaveras
e muitas, muitas férias além dos recreios, das festas e surpresas noturnas de
pais culpados que insistem em mimar seus filhos frágeis para protegê-los do
mundo severo.
Sim! Antigamente a vida era
simples pra todo mundo, só era pior para quem já começou pelo fim! Nunca
conheceu pessoas que já nasceram sofrendo, sem Danoninho, geleia de mocotó,
carrinho elétrico e roupas de todas as cores? Minha massinha era perfumada, eu
gostava de comer borracha, a chuva era sempre uma tormenta (não tanto pra mim
quanto para os vizinhos de bairro, que tinham lixeiras-monstro derrubadas e
poças de lama-cenários de guerra explodindo diante de seus portões); eu gostava
do meu sapatinho preto com uniforme de militar mauricinho de gola! Sabe o que
mais? Sinto saudades dos meus dois grandes amigos, meus dois grandes Gugu e
Barney; sinto também que o tempo passou e nada foi bem como eu pensava, mas
quem disse que eu tinha um barco conduzido por mim mesmo, traçando pequenas
brumas e seguindo um norte inquestionavelmente definido? Ora! Sabe do que me
lembro? Meu quarto era uma graça, todo acarpetado, com livros coloridos, capas
em relevo, bichinhos, cama de madeira leve, travesseiro pra afundar a cara e me
esconder do tal monstro que apareceria, se eu apagasse a luz, é certo! Estranho
hoje eu pensar na ideia de dormir com a luz acesa. Lembrei até de um ursinho
todo rasgado. Seria ele meu “Rosebud”? Jovem que lia Humberto de Campos aos 15;
ouvia Nelson Gonçalves aos 16 e compreendia melhor Chopin ao escrever sonetos e
choramingar no poente dominical por temer o lago que arde como fogo e enxofre e
é a segunda morte. Meus grandes traumas não vieram de fora, meus grandes
anseios eram a Academia Brasileira de Letras, ter uma namorada só minha pra
fazer tudo o que via nas madrugadas do cine privé e, acreditem: ser um
diplomata-poeta, como o fora o inigualável Poetinha!
Bons tempos de olhar nossos pais
como eternos, sabedores de tudo, oráculos seculares; nossos avós como já tendo
nascido daquele jeito, com rugas, modos lentos e setenta anos cada. A
fragilidade é quase um castigo para quem se depara com o verbo crescer.
Conjugue-o ou ele te devora!
É tudo o que tenho por hoje, o
que me basta por cada dia!
Raoni C.Costa